segunda-feira, 13 de junho de 2011

Muito além do simulacro:

 

Uma constante que se mantém desde a semiologia e da semiótica ao chamado “teatro das energias” e a “fenomenologia” até o aqui e agora da redação sobre a qual o caro leitor se detém e que, em sua relação contigo, detem-te refletidamente (refletida-mente), é o questionamento do significado, sua razão e processo de construção. A grande pergunta por trás do estudo semiótico é: afinal de contas, porque isto significa isto? Numa posição diametralmente oposta àquela que compreende o signo como associado a seu significado de acordo com uma função lógico-causal inexorável e inequívoca, outros preferem contestar a verdade de qualquer signo, diluindo qualquer significado num mar flúido de desenvolvimentos que fragiliza qualquer vínculo entre significantes e significados.

Essas correntes de pensamento são reflexo e espelho do espírito de um tempo que, diria Baumann (2003), “liquefaz” todos os ideais que configuram o espírito moderno. Hoje, em relação a seu corelato histórico, a saber, a pós-modernidade, falamos em um teatro pós-dramático (LEHMANN, 2007), que caracteriza-se pela total autonomia, enfim, do teatro, das sombras de seu fantasma por vezes opressor, a saber, a literatura dramática –  ainda que, é preciso ressaltar, possa ao texto dramático recorrer como pretexto ao texto espetacular – além de sua por sua hibridez e multimidiaticidade. Talvez devêssemos nos perguntar, com Jacó Guinsburg e Silvia Fernandes (2010), se o “pós-dramático” é mesmo um conceito operativo, pergunta essa que é face outra de uma questão mais lata, a saber, se é a “pós-modernidade”, em suma, um conceito operativo ou apenas um delírio coletivo que reflete a áugista do fracasso do projeto moderno.

A sociedade espetacularizada (DEBORD, 1997), faz do espetáculo teatral um desvio na dramaturgia da rua: farois iluminam o asfalto onde um menino fuma crack protegido pela cegueira dos transeuntes que passeiam sedados pelo efeito hipnótico das luzes dos letreiros: são luzes e mais luzes que ofuscam nossa visão, encobrindo a sujeira pra debaixo dos signos. O teatro, lugar de encontro entre o humano e o humano, se vê, a princípio, ameaçado pela “arte na era de sua reprodutibilidade técnica” (BENJAMIN, 1996) que consome personalidades reduzindo-as a reles signos baratos e,  tão frágil quanto a corrupta humanidade ante a mecanicidade virtual da máquina, cede à mágica sedução da fantasia desse carnaval de Fausto.

Grotowski (1976), já notara o risco, e percebera que, se o teatro estava em crise – alguma vez ele não esteve? – isso se devia a uma crise de maior dimensão, que afetava a sociedade (esse simulacro nomeado por outrem) como um todo: não foram apenas os judeus que morreram durante a segunda guerra mundial, mas, com eles, nossos mitos, nossas metanarrativas que agonizaram – continuam agonizando numa morte prolongada – junto a explosão atômica. Metaforicamente, poderíamos pensar em indivíduos sem nome que, sob a alcunha de um conceito bem “operativo”, a saber, o de sociedade, transformam-se em números, signos vazios que operam a massa.

Com Descartes (2001, 1994; ver também REALE E ANTISERI, 1990; BRANDHORST, 2010; e  GHIRALDELLI, 2007) reduzimos a alma a seu referente corporal, a saber, o cérebro, e pudemos manipular o corpo. Com Nietszche, nos vimos livres das amarras de um “Deus Pai”, fruto, talvez, de um tabu arquetípico perdido nos primórdios da humanidade, e com Marx e Engels (2008), vislumbramos a possibilidade da estabilidade social num futuro hipotético sem classes, onde a igualdade entre os homens pudesse enfim ser celebrada como fato: talvez tenha sido no conturbado século XIX que perdemos o fio da meada…

Mas por falar em fio, já me vão as linhas, e muitos livros são muito peso, podendo nada mais ser do que desculpas para nossa própria vaidade, de modo que me despeço deixando-vos uma interessante bibliografia que pode ajudar na investigação do tema aqui aludido, e com a impressão de que, a verdade de qualquer signo acaba diluida no mar flúido de desenvolvimentos que fragilizam qualquer vínculo entre significantes e significados, é porque, antes e durante, diluimos-nos, a nós mesmos, num emaranhado de fluxos contrastantes que pode mesmo fazer com que confundamos a realidade do fato com a realidade do texto.

Jeferson Torres

Bibliografia consultada:

BARTHES,Roland. Elementos da semiologia. São Paulo:Cultrix,1972.2ª edição.Trad.Izidoro Blikstein.

BAUDRILLARD,Jean.À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas.São Paulo:Brasiliense,1985.Trad.Suely Bastos.

BAUMAN,  Zygmunt, Modernidad líquida,  Editorial Fondo de Cultura Económica, México DF, 2003.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. in BENJAMIN, Walter. Arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996.

BRANDHORST, Kurt.Meditations on first philosophy: an Endinburgh Philosofical Guide. Great Britain: Edinburgh University Press, 2010.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. São Paulo: Contraponto Editora, 1996.

DESCARTES, René. O discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Trad. Maria Hermantina Galvão.

_______________.Obra escolhida: Discurso do Método, Meditações, .Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1994.3ª edição.Trad. J.Guinsburg e Bento Prado Jr.

GHIRALDELI Jr., Paulo. O corpo:filosofia e educação.São paulo:Ática,2007.

GUINSBURG,J.,NETTO,J.Teixeira Coelho e CARDOSO,Reni Chaves. Semiologia do teatro. São Paulo:Perspectiva,1978.

GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. São Paulo: Civilização brasileira, 1976.Trad. Aldomar Conrado.

GUINSBURG, Jacó e FERNANDES, Silvia. O pós-dramático: um conceito operativo?.São Paulo: Perspectiva, 2010.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. São Paulo: Editora 34, 2008.

LEHMANN,Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo:Cosacnayfy,2007.Trad.Pedro Süssekind.

LYOTARD,Jean-Françoise. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro:José Olympio Editora,2004.Trad.Ricardo Corrêa Barbosa.

MARTINS,Maria Helena. O que é leitura. São Paulo:Brasiliense,2006 (Coleção Primeiros Passos,74).

MARX, Karl e ENGELS, Friedich. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Vozes, 2008.

NIETZSCHE,Friedich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. São Paulo:Escala, s/d.2ª Edição.Trad.Antonio Carlos Braga.

NIETZSCHE,Friedich.Genealogia da moral.São Paulo: Escala, s/d.2ª edição.Trad.Antonio Carlos Braga.

PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 2007. Trad. Maria Lúcia Pereira J. Guinsburg, Rachel Araújo de Baptista Fuser, Eudynir Fraga e Nanci Fernandes.

____________. A análise dos espetáculos: teatro, mímica, dança, dança-teatro, cinema. São Paulo: Perspectiva, 2005. Trad.Sérgio Sálvia Coelho.

PEIRCE,Charles Sanders.Semiótica e filosofia:textos escolhidos de Charles Sanders Peirce.São Paulo:Cultrix,1975.

PONDÉ, Luiz Felipe. Contra um mundo melhor. São Paulo:Leya Brasil, 2010.

REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario.Descartes: o fundador da filosofia moderna. In REALE & ANTISERI História da filosofia: do humanismo a Descartes.São Paulo: Paulus,1990.Trad. L. Costa e H. Dalboso.

ROUBINE,Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro:Jorge Zahar,1998.2ª edição.Trad.Yan Michalski.

SANTAELLA,Lúcia.O que é semiótica.São Paulo:Brasiliense,1983 – (coleção primeiros passos;103).

SANTOS, JF dos.O que é pós-moderno. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.

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