sábado, 5 de fevereiro de 2011

Entrevista com Katiane Negrão (Grupo Tato criação cênica):

 

Tive o prazer de bater um papo com a atriz Katiane Negrão, integrante do Grupo Tato de criação cênica. Na conversa Tatiane fala um pouco sobre sua carreira artística, cujos primeiros passos remontam ao balé clássico, e refaz lembranças do teatro no interior de São Paulo, a experiência de passar por um curso superior de artes cênicas e o trabalho junto ao grupo Tato, que formou ao lado do ator Dico Ferreira em 2004.

 

 

Jeferson Torres: Quando o seu envolvimento no universo teatral se inicicou ?

Katiane Negrão: Aos 15 anos, quando resolvi fazer uma oficina de montagem teatral que li no jornal, mas no universo artístico comecei no balé clássico com 5 anos

Bem, então desde criança disciplina era uma palavra a ser antes praticada que verbalizada ou escrita em sua vida né ? Porque balé exige muito. E um corpo infantil está numa fase mais propícia ao desenvolvimento de habilidades corporais.

A paixão gera disciplina com muita facilidade, eu adorava dançar

Com certeza. Paixão é combustível. Mas voltando a oficina: depois dessa oficina. Eu te perguntei e você lembrou-se dela, e quinze anos é uma idade em que todo mundo começa a pensar - caso ainda não o tenha feito - em uma profissão a seguir, e então entra a faculdade, pelo menos para aqueles que escolhem se voltar ao ensino superior.No seu caso, como foi ?

Desde quando eu só fazia balé eu já pensava que quería seguir o caminho das artes. Quando comecei com o teatro a minha dúvida era fazer facu de dança ou teatro. Prestei as duas e entrei na que passei, mas confesso que estava mais afim de fazer teatro em Ouro Preto do que dança na UNICAMP.

Puxa, você tem uma lâmpada mágica ou coisa assim menina ? Que legal. Seu desejo convergiu à sua sorte então. (risos)

Eu prestei outras faculdades antes, Rádio e Tv na Unesp e Imagem e Som em São carlos, porque meu pai me aconselhava a não estudar teatro, aí inventei estas, mas não era afim, ah, prestei fisioterapia na UNIP. Passei mas não quis fazer, aí fiquei um tempo sem prestar nada, continuando com o teatro e a dança, até que fui passear em Ouro Preto e foi no ano que abriu o curso. Pensei: quero morar aqui e vou estudar aqui

E então foi !

Fui

E ai você tinha como arcabouço o estudo prático do balé e uma certa experiência com o teatro. Quando chegou na UFOP, como foi ? Todo mundo cria espectativas, uns mais outros menos, e têm suas espectativas satisfeitas ou não, cada um em sua medida. E como foi pra você ?

Foi bem bom, muito proveitoso, eu achei ótimo ter demorado este tempo para entrar na facu, entrei com 21 e a experiência teatral anterior foi fundamental, pois estava pesquisando teatro-dança, com uma amiga bailarina e um diretor que era formado pela USP, então conheci Stanislavsk, Eugenio Barba, Bob Wilson, tudo antes da facu. A gente lia muito e estávamos criando, isto deu uma base legal para assisitir às aulas da faculdade. Às vezes eu percebia em algumas aulas a maioria dos colegas boiando, e não coincidentemente, mas a maioria dos colegas que eram mais participativos, principalmente no início do curso, eram paulistas ou da capital de Minas. O pessoal do interior de Minas tinha bem menos informação até mesmo de assistir coisas.

Talvez algo que ocorra mesmo no interior. O acesso à informação é menos facilitado. Poderia se dizer que a internet veio sanar esse problema, e em muito veio, mas tem coisas que só a prática ensina né ?

Eu sou do interior, mas os SESCs do interior de Sampa são bem atuantes, e salvam o que a maioria das prefeituras não fazem pelas cidades. Com certeza, apenas lendo não se aprende a fazer teatro.

Agora, com toda essa história que se desenrolou pelo balé, pela dança-teatro, chegou à faculdade, hoje você integra um grupo que pesquisa e desenvolve a linguagem do teatro de animação. Quando você começou a alimentar interesse por esse tipo específico de teatro e passou a pesquisá-lo ?

A dança e o teatro estão totalmente dentro desta história, pois o que começamos a pesquisar foi o teatro de animação corporal e sem palavras, que já era uma tendência minha, de um teatro mais corporal e também tendência do Dico, que trabalhava com mímica, mas a infuência da animação veio dele. Ele já trabalhava com isto e na época ele fazia parte da Catibrum, cia de bonecos de BH. Quando resolvemos montar algo juntos sabíamos que sería corporal e sem palavras, pelos interesses afins, e queríamos algo simples, barato, que desse pra viajar e coubesse num mochila. Ele brincava com uma carinha que fazia com um nariz de palhaço nas mãos e sugeri de usarmos aquela forma para construirmos algo a partir disso. Colocamos um tecido nas mãos e começamos a experimentar.

Eu acho que você chegou a um ótimo resumo sobre o trabalho: simples, barato, cabe numa mochila. E eu acrescento: muito bom. Pronto! O blog é meu, então quando é bom eu elogio mesmo ! E quando fala-se em teatro de animação a maioria das pessoas pensa em algo infantil, leve, colorido e de fácil digestão. Pois há dois anos tive a oportunidade de assistir "Tropeço", o espetáculo que abriu meus olhos ao grupo. Fale um pouco sobre a peça.

Quando pensamos em drama ou comicidade, não soubemos escolher. Queríamos algo profundo, poético, mas que também possibilitasse o riso. Quando os tecidos sobre as mãos nos inpiraram duas velhas começamos a improvisar pequenas cenas que velhas poderiam fazer, e que ainda pudessem ser feitas com uma mão sem que a pltéia sentisse falta da outra mão. Estas pequenas ações foram nos dando material para definir suas personalidades até que escolhemos que tipo de relações elas teriam, e escolhemos ser uma casal homossexual. E percebemos que estávamos tratando de um assunto, ou melhor, dois assuntos em um, muito delicados, a homossexualidade na velhice. Não queríamos cair no ridículo, na tiração de sarro, quisemos realmente tratar o assunto com delicadeza e bom humor, e vimos que o mais importante que estávamos falando era do amor entre duas pessoas e não importava de que sexo elas eram.

E o público ? Porque uma coisa é treinar, outra é ensaiar, e outra é apresentar. Cada apresentação é uma história, e de todas estas que vem colhendo aqui e ali - já viajaram bastante com os espetáculos - algum "causo" que lhe chame a atenção, que tenha se registrado com maior relevância ?

Este causo ? Você quer dizer algum retorno do público em relação a peça?

Uma reação do público que lhe tenha chamado a atenção.

Me veio várias coisas na cabeça …

Eu me interesso muito pela relação ator-espectador, e sempre que converso com atores ou estou elaborando um trabalho essa é uma questão patente. A gente nunca sabe o que encontrará no dia seguinte né ?

Nunca. Há pessoas que se emocionam muito, que nos agradecem sem conseguir parar de chorar, mas algumas vezes a gente é quem acaba chorando. Já apresentamos algumas vezes para turmas de surdos que tivemos respostas surpreendentes, como a maneira com que a minha personagem morre, que é como se ela saísse flutuando. Este gesto com a mão no sinal deles quer dizer alma, e não sabíamos disso. Numa destas turmas de deficientes havia um cego que tinha também outros problemas mentais. Ele acabou de assistir em lágrimas, e pediu para tocar nossas mãos. Lembrar disso me fez chorar agora. Isto que a gente não emite palavra nenhuma…

Mas a palavra não diz o que o corpo agente grita né. Tem coisas que o silêncio diz melhor.

Teve uma cega que por acaso estava numa plateia na Bahia, e na hora do bate papo ela reinvindicou que a gente devería ter um tradutor. Isto foi engraçado. Um cara que conhecemos no Cariri, no meio de uma terreirada, quando ele ficou sabendo que éramos do Tropeço ele disse que a peça mexeu muito com a vida dele. Ele havia convidado a mãe e o irmão pra assistir, por algum motivo eles não foram. Foi a última vez que ele viu o irmão, depois quando saiu da peça o irmão estava morto.

Nossa ...

Não me pergunte detalhes, foi a Lu, nossa produtora que estava falando com ele no meio de um baile de forró. Ela engoliu seco e resolveu não perguntar mais nada, mas imaginamos que foi de acidente de carro. Teve uma apresentação que tinha um vento encanado no teatro, que foi apagando as velas muito rápido. A gente sempre deixa uns toquinhos de reserva, mas nesta já tinha ido os toquinhos. Foi uma apresentação tensa, tivemos que driblar com as velas, escolher qual ficaria acesa por último. Mudávamos as velas de posição o tempo todo e com medo que não chegasse com luz até o final da peça. Por fim conseguimos. Quando acendeu as luzes estava a Lu com um pacote de velas na mão na primeira fileira, pronta pra fazer alguma coisa. Como sería eu já não sei.

Outra vez muito emocionante foi quando apresentamos numa casa de detenção de menores. Quando acabou a coordenadora disse que sempre um deles levanta para agradecer. Um menino que nunca falava nada levantou no meio de todos e agradeceu pelo grupo, com esta atitude todos levantaram, um por um para nos agradecer. Os coordenadores ficaram emocionados e depois nos contaram que este menino estava lá condenado por ter estuprado o filho de um fazendeiro, mas eles tinham certeza que ele era inocente.

Clipe do Espetáculo “Tropeço”, da Companhia Tato de criação cênica:

Fonte: http://artistaemconstrucao.blogspot.com/2011/02/entrevista-com-katiane-negrao-grupo.html#ixzz1DaqBrI00

Clipe do Espetáculo “Tropeço”, da Companhia Tato de criação cênica:


Conheça mais sobre a atriz e o grupo Tato em http://www.tatocriacaocenica.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário