terça-feira, 1 de junho de 2010

É possível falar de uma dramaturgia da performance?

Exporei aqui, na íntegra, texto do professor do departamento de linguagens do corpo da PUC-SP, Lúcio Agra, que trata das relações entre performance e dramaturgia.O texto é transcrição da palestra proferida por Agra no segundo colóquio de dramaturgia promovido pela Universidade estadual de Londrina em 2009.
Mas publicarei o texto aos poucos, em doses homeopáticas, já que trata-se de um texto meio extenso, a fim de que nossos leitores possam lê-lo com mais calma.

Introdução: quem fala, o que fala?
Ao tentar buscar uma forma de agradecer ao amabilíssimo convite para vir aqui conversar com vocês, pensei que uma das maneiras possíveis de expressar a minha gratidão seria a sinceridade. A resposta à pergunta-título deste texto deverá ser, portanto, ao fim, a mais franca possível.
Para tanto, acho que é imprescindível assinalar a minha proveniência que, como vai se ver, determina uma relação muito especial com a questão que move este colóquio. Eu falo do lugar – quase sempre esta palavra, nesse caso, tem de vir com muitas aspas – do não-lugar, da “ilocalidade” que se chama performance. Essa posição pressupõe uma dualidade permanente entre a natural estaticidade de um território e a movência que, entretanto, o alimenta. Sendo uma posição, a performance é também e simultaneamente uma dinâmica. Dois amigos meus, pesquisadores, professores e performers, têm usado expressões para designá-la tais como “matéria cinza” ou “nuvem quântica”. Eu tenho gostado de falar de “fronteira móvel” ou “zona de turbulência”. É dessa área que vem minha voz e nela, ainda por cima, digladiam-se visões do próprio entorno como a performance enquanto gênero das artes visuais, a performance-arte, a arte da performance, a body art, o happening, a performance social ou antropológica, o estudo da performance, os estudos da performance, a performance escritural, linguística, a performance teatral, a performatividade, o teatro performativo, os performativos, a live art, a arte de ação, as visões expandidas de performance, seus sentidos apropriados e instrumentais. É, felizmente para nós hoje, um campo de indecisões, indefinições, um campo transtornado, contraditório, cambiante, exatamente como toda a ciência e muito da arte ocidental não desejaram ser, até bem pouco tempo.
Estou numa situação de fala, portanto, que dimensiona bastante tudo o que vou afirmar daqui por diante.
Se a resposta da pergunta for sim, como poderíamos descrever seus princípios e procedimentos? Alguém já pensou, certamente, nesse momento, que se tratando de performance e da produção de metalinguagem a seu respeito, as duas respostas – sim e não – são aceitáveis até a mútua tolerância. É possível. Permitam-me, porém fazer uso de duas palavras da frase anterior, constrastando-as e, assim, avançando um pouco mais. A primeira é criação e a segunda produção. E isso, nos dois casos, pelo mesmo motivo: a performance não é uma prática artística que se dá muito bem nem com uma nem com outra.
A idéia da criação ex nihilo e, malgrado as tendências que pendem para o uso intensivo de rituais e mitologias, o sentido de criação demiúrgica, foi definitivamente desterrado da arte contemporânea. E isto mesmo antes que esta se sistematizasse. Bastaria um nome para confirmá-lo: Marcel Duchamp. Para esse impasse eu sugiro a possibilidade de uso da palavra “invenção” que, como afirmou certa vez Hélio Oiticica, “é imune à diluição. Se eu soubesse o que seriam essas coisas elas não seriam mais invenção. Se elas são invenção elas, a existência delas é que possibilita a concreção da invenção.” Não sendo uma produção de algo que resulta de uma receita ou conjunto de preceitos, a invenção toma a questão da criação pelo seu aspecto imanente, no gesto de – palavras também de Oiticica – “experimentar o experimental”.1
Já o problema com a palavra produção é que ela expressa uma ação com alvo definido, um produto, o que resulta daquele estado. E produto é particípio, é decorrido, enquanto na performance o “enquanto”, o processual é que funcionaria como imagem mais adequada ao que se passa.

*Lucio Agra - Natural de Recife, PE, cresceu em Petropolis, Rio de Janeiro, e há mais de 10 anos radicou-se em São Paulo. Fez teatro amador, graduou-se em Letras na UFRJ e concluiu seu Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica na PUC-SP, onde até hoje trabalha,como Professor Adjunto do Departamento de Linguagens do Corpo. Colaborou com Renato Cohen (1956-2003)desde 1997 tanto artisticamente quanto como membro da equipe de professores de performance da Graduação em Comunicação das Artes do Corpo. Como performer, desenvolveu pesquisa em torno aos trabalhos de Kurt Schwitters(1887-1948), apresentando sua "Ursonate" em 2000, 01, 02, 03, 07 e 08. Desenvolveu, em paralelo, um "mix" de performance, sound poetry e improviso musical livre com os grupos (demo)lição (Paris, Montevideo e São Paulo, 2007/08) e Orquestra Descarrego. Autor de Selva Bamba (poemas, 1994), História da Arte do séc. XX - Idéias e Movimentos (ensaio, 2006) e Monstrutivismo - reta e curva das vanguardas (no prelo). Prepara novo livro sobre a performance no contemporâneo.

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