quinta-feira, 4 de março de 2010

Craig: um amante do símbolo



Imagine-se durante um ensaio de uma determinada peça escrita por um grande nome da literatura dramática.Agora, imagine que essa situação se passa entre o final do século XIX e o início do século XX em uma pequena cidade no interior da Europa.O diretor da peça, seu professor durante o periodo em que estudava na escola de interpretação está dirigindo uma dada cena da qual você participa.Ele lhe indica toda a marcação de cena, já no primeiro ensaio: dê três passos para frente, pare diante do público – não se esqueça de nunca dar as costas para o público – encare o público, levante sua mão direita até a altura do peito, tocando-o, e diga o texto do autor – não se esqueça de dizê-lo por completo e sem acrescentar ou tirar nenhuma palavra.
O sistema educacional das escolas de teatro dessa época baseava-se, grosso modo, na cópia de gestos e poses característicos de reconhecidos atores de então, que, por sua vez, eram reproduzidos pelos estudantes. Cabia ao professor demonstrar ao seu ator/aluno tais gestos e posições as quais ele, como aluno dedicado e fiel, deveria imitar.Durante o ensaio da peça de formatura, esse sistema educacional se manifestava na forma ilustrativa com a qual os ex-alunos, agora atores-copiadores formados, repetiam os gestos apreendidos na representação de alguma peça teatral famosa.Afinal de contas, isso tem um forte apelo comercial.
Numa outra ocasião semelhante, lá estava o diretor novamente demonstrando aos atores a maneira correta de se portar em palco.Montava-se a peça em uma ou duas semanas, apresentavam a encenação e corriam montar mais uma pra semana que vem pra faturar mais uma grana e não enjoar o público.
Não obstante, o enjôo veio. A decepção frente as condições nas quais os atores – e portanto o teatro – se encontravam naquela época, são manifestas, por exemplo, nas palavras de Eleonora Duse, que escreve em 1900 que:
Para salvar o teatro temos de destrui-lo; que todos os atores e atrizes morram de peste... Impossibilitam a arte.
O teatrólogo inglês Edward Gordon Craig (1872-1931), manifestou seu descontentamento em relação a qualidade dos atores de sua época, chegando a desconsiderar a possibilidade de uso do corpo humano como instrumento de criação artística.Decepcionado, ele usa a marionete para metaforizar a espécie de ator por ele almejada, um ator que não se deixasse perder em egoísmos doentios e emoções descontroladas, mas que conseguisse equilibrar sua emoção através de um cálculo matematicamente preciso.
Um dos fatores apontados por Craig como uma das razões da falência do teatro em sua época era justamente a falta de boas escolas para atores:
E vou lhes dizer porque o jovem ator embarca-se em falso enquanto se inicia no teatro.É porque antes disso não houve nem estudos nem aprendizagem.
Mas toda essa revolta contra o teatro de seu tempo vem também em grande parte, de um desprazer com a estética realista então predominante.Segundo Gordon:
Se há algo no mundo que aprecio mais que tudo é o símbolo (...) O realismo é um modo de expressão grosseiro, bom para os cegos.Opino que ninguém deveria buscar querela contra o simbolismo nem temêlo.
Craig desejava um teatro que manifestasse as tendências simbolistas emergentes da literatura e da pintura e não se limitasse a pretensão de ser uma fatia exata da vida como no naturalismo.Vale lembrar, que Craig trabalhou junto a Stanislávski na montagem de Hamlet (1911),tragédia de Shakespeare.A grande ironia é que três anos antes Craig escrevera que “representar Hamlet perfeitamente é, temo eu, impossível”.
Mas Craig (...) se você realmente acreditava na idéia de que montar Hamlet com perfeição seria impossível, porque então o fez?
Bem, por muitas razões: queria antes de tudo fortalecer-me em minha opinião (...) Estou mais convencido do que nunca de que as peças de Shakespeare são irrepresentáveis.
Bem, nestas condições, a montagem dificilmente teria sucesso. Já que Craig não acreditava na possibilidade de encenação dessa peça e queria, antes de tudo, fortalecer sua opinião (...) não demonstra um ar de abertura concorda?
Por outro lado, parceria entre Stanislavski e Craig pode advogar contra a ideia falsamente plantada pelos menos avisados, de que Stanislávski seria um defensor intrépido do naturalismo estrito. Além da experiência com Craig, Stanislávski admite sua influência simbolista em A ascenção de Hânele, de Hauptmann (1896), ao metamorfosear, de acordo com Jacó Guinsburg , mendigos, ladrões e prostitutas do mais baixo grau de degradação humana em figuras luminosas e angelicais.
O mesmo autor ainda aponta a influência simbolista do pai do “sistema” na montagem de O sino submerso, também de Hauptmann, revelando o gosto de Constantin pelo travestimento e pela máscara, pelo jogo lúdico.Na verdade, Stanislávski sempre se sentiu, ainda citando Guinsburg, igualmente seduzido pelo prosaísmo naturalista (...) e pelos vôos poético metafísicos do assim chamado “decadentismo” impressionista e simbolista.

Para se aprofundar:

CRAIG,Gordon.Del Arte Del Teatro.Buenos Aires:Liberia Hachette,1977.Tradução Nossa.
GUINSBURG,Jacó.Stanislávski e o teatro de arte de Moscou: do realismo externo ao tchekhovismo.São Paulo:Perspectiva,2006.2ª edição,1ª reimpressão.



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